quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Ana Narciso - 10ºG

Fernanda Ruaz, Andar para além da dor

Esta história é uma história verídica de uma mulher inteligente e culta que na sua infância teve a infelicidade de contrair uma doença chamada “Artrite Reumatóide”, doença essa que a tem acompanhado toda a vida.Tudo começou aos 10 anos de idade. Fernanda tinha muitas dores nas articulações, pulsos inchados, no outro dia os pés inchados, não podia andar e tudo se estava a tornar muito difícil.Não tinha mãe, o seu pai não a conhecia bem. Tinha seis irmãos muito novos, apenas uma irmã mais velha que acha que ela é uma “papa-açordas”, porque não sabe jogar ao ringue nem correr. Não podia contar com ninguém. Nunca compreendiam nada.Então, Fernanda foi para Lisboa para casa da tia, que também não a ntendia muito bem, mas era muito sua amiga e ficou muito preocupada logo que soube que Fernanda tinha dores.No dia seguinte foi a uma consulta no hospital e ficou internada um mês. Os médicos disseram que tinha febre reumática. Entretanto, saiu do hospital e já não tinha dores, voltou para a escola.Passado algum tempo, as dores voltaram e de que maneira - nem se podia levantar da cama para fazer nada.Doíam-lhe tanto os joelhos, os pés, todas as articulações estavam inchadas e quentes.Foi outra vez para o hospital, iria perder o ano por faltas.A única coisa interessante que aconteceu na sua vida foi poder ler.Lia tudo, desde o tio patinhas a Eça de Queirós. Pediu para sair do hospital, pois só existia sofrimento, tudo lhe parecia triste.Nesse momento tinha que tomar de seis em seis horas duas aspirinas, tinha muitas dores e nunca mais conseguiu correr. Na escola não fazia ginástica e raramente ia ao recreio com medo que a empurrassem ou aleijassem.Parece que agora a vida de Fernanda iria mudar, já há alguns dias que não ia à escola. Tinham que a levar para todo o lado ao colo, não podia comer sozinha, o seu corpo não a obedecia, tudo lhe doía.Mas pensou que iria melhorar, porque ia a uma consulta ao Instituto de Reumatologia. Foi uma médica que a consultou, Fernanda afinal não tinha febre reumática, mas sim uma doença muito grave chamada “Doença de Still”. Já com 15 anos, estava uma senhora e apaixonara-se - o seu namorado era lindo. Agora compreende os romances de amor que lia, ou melhor, que devorava.Descobriu muitos poetas portugueses e os seus melhores companheiros são os livros.O médico que a assiste agora era outro, é muito seu amigo e é a única pessoa que percebia as dores que ela apresentava e como era preciso ter força para superar. Sim, porque só restava superar. Serrar os dentes e andar até ao limite da dor. Quando a dor é demais fecham-se os olhos e fica-se à espera, quieta, aguardando que a cortisona actue e que a crise passe. Não há mais nada a fazer.Fernanda achava que nunca se iria casar, embora gostasse do namorado - não imaginava o seu futuro como dona de casa.Ela gostava de ser professora primária, porque adorava crianças e transmitir conhecimentos e despertar as crianças para as coisas bonitas da vida devia ser óptimo. É difícil escolher a profissão quando não se pode confiar nas capacidades do corpo. Foi para o ensino técnico porque só ia para o liceu quem pudesse prosseguir estudos superiores, o que não era o seu caso.Quem lhe pagaria os seus estudos? Ainda por cima precisava de começar a ganhar dinheiro para ajudar a sua tia.Mas como? Como iria fazer, se tem tantas crises, às vezes até faltava à primeira aula, porque quando se levantava de manhã o seu corpo parecia um bocado de ferro, duro e pesado.Acordava e, em pensamento, de um pulo punha-se em pé, ia até ao duche, vestia-se em dois minutos, fazia o rabo de cavalo e ia correr escada abaixo… Mas só em pensamento, porque ela não se sentia verdadeiramente ela, era muito diferente. Primeiro mexia a cabeça na almofada e experimentava levantar-se como quem precisava de pedir autorização ao ombros e aos dedos para se pentear, mas não desistiu! A doença não havia de ter mais força do que ela, dizia Fernanda.As pessoas saudáveis não se apercebem a maravilha que é a liberdade dos movimentos.
Decidiu não pensar mais na doença. O seu curso era à base de desenho e de oficinas de arte, o que nem sempre a agradou. Acabou o curso e começou a procurar emprego.Respondeu a um anúncio para desenhadora, podia ser uma boa profissão para ela, não era preciso fazer força com as mãos, era criativo e até devia ser fácil.Entrou no mundo do trabalho. Tinha nesse momento 17 anos e ia casar-se.O seu bebé nasceu - como foi que uma pessoa tão frágil e tão doente teve um rapaz tão perfeitinho? Durante toda a gravidez não tomou medicamentos, quase não teve dores, o pior foi depois do parto, teve uma crise tremenda que nem conseguia pegar no seu bebé ao colo.Posteriormente foi a um médico de recuperação física que a deixou de rastos. Disse-lhe que nunca tinha conhecido ninguém aos 26 anos que estivesse tão afectado pela Artrite Reumatóide. Respondeu-lhe certamente que tinha falta de experiência e nunca mais lá apareceu.Fernanda fez um exame “ad-Hoc” e ficou aprovada com 15 valores a todas as disciplinas. Entrou na Faculdade de Letras, em Lisboa, no curso de Filosofia.Foi a um novo médico de reumatologia, bem mais positivo, e iniciou um novo tratamento. Decidiu, então, operar os pés antes de voltar ao trabalho.A operação correu bem, embora os pés não tenham ficado 100% bons.Começou a dar aulas de filosofia.Passado algum tempo decidiu pedir a aposentação por invalidez - o esforço para apanhar os transportes estava a tornar-se muito penoso. Passaram três meses e Fernanda sentia-se bem melhor.Agora restava-lhe esperar por uma tarde de sol para experimentar ir até à praia correr na areia à beira-mar. Precisava que o mar e o sol a ajudassem a concretizar este desejo de longa data, precisava da liberdade dos movimentos. Estava com os pés na areia molhada e ia correr! Deu um passo longo, mais outro, corria praia fora! Ligeira, leve, livre.
Não tem medo do futuro e enquanto tiver memória nada poderá apagar em si a alegria e a gratidão por tudo quando lhe foi dado a viver.Os momentos de dor são rapidamente esquecidos, quando de algum modo os ultrapassamos e nos deixam mais fortes. Neste momento é uma mulher feliz e grata.Crê, efectivamente, que conquistou a sua liberdade, não apenas as das articulações, mas sobretudo a do pensamento.

Sem comentários: