domingo, 14 de janeiro de 2007

Ler mais e mais...em casa


Ler mais e mais... em casa
José Manuel Fernandes
Público, 2 de Junho de 2006

"Para gostar de ler é preciso começar por ouvir ler.E quem melhor do que os pais para fazê-lo?
O que não formos capazes de fazer não devemos esperar que outros façam por nós. Elementar, dir-se-ia. Não em países com a nossa cultura: por cá espera-se que aquilo que não somos capazes de fazer o Estado, ou o Governo, ou o presidente da junta, faça por nós. Se não fôssemos como somos não necessitaríamos de um Plano Nacional de Leitura pois ler regularmente seria como comer, ou ver televisão, ou assistir a um espectáculo de futebol.
Mas não é. Não são só os nossos maus resultados nos testes de literacia: todos os índices revelam, de alguma forma, que estamos na cauda da Europa, e por vezes chegamos a estar mal classificados quando nos comparamos com países muito mais pobres. Os portugueses lêem, por dia, proporcionalmente, pouco mais de metade dos jornais que os espanhóis, um terço dos franceses, um quinto dos ingleses, um décimo dos nórdicos ou dos japoneses. Não lemos, ponto. Nem jornais, nem livros. Quem, mesmo assim, anda com um diário desportivo debaixo do braço corre o risco de passar por um intelectual.
É natural e salutar que isto preocupe as autoridades e é notável que nos últimos anos se tenha desenvolvido um esforço continuado, teimoso, de criar redes de bibliotecas municipais e de bibliotecas escolares. Ter um livro à mão é, pelo menos, um começo. Mas não chega, pelo que o Plano ontem anunciado procura ir mais longe e criar hábitos (forçados) de leitura nos diferentes graus de ensino. Como ideia é positivo, corresponde mesmo a uma ruptura com a aceitação passiva de que "não se pode fazer nada". É também um grito de revolta contra atitudes tão reaccionárias como elitistas como as de José Saramago, a quem talvez incomode que a multidão do "povo" ascenda ao seu nível. Porque, como sabemos de outros países e outras sociedades, é mentira que leitura sempre tenha sido e esteja condenada a ser "coisa de uma minoria".
Teresa Calçada e Isabel Alçada são duas mulheres com saber de muita experiência feito e que há muito, percorrendo caminhos bem diferentes, muito têm feito para que os livros se tornassem, na casos dos portugueses, algo tão comum como ter leite no frigorífico. Mas por mais perfeito que seja o plano que desenharam e o Governo adoptou e apresentou, só se lerão mais livros, mais jornais, mais autores eruditos ou mais literatura de cordel se o acto de ler, de declamar, de elaborar sobre o que se leu, e também de escrever, for tão natural como respirar. Ora, sejamos directos, para isso não chega nem o Estado nem a escola: é necessária a família, é fundamental o papel dos pais.
Porquê? Porque o verdadeiro segredo para que os finlandeses surjam no topo da escala da literacia mesmo utilizando uma língua estranhíssima e rara é porque ouvir ler, depois ler, depois declamar, é algo que integra a sua cultura há séculos. No passado, quando o país ora estava submetido pelos suecos, ora pelos russos, os que tinham autoridade nas comunidades eram os que mais poemas conseguiam declamar. Hoje, quando os vemos no topo de todos os rankings, devemos lembrar-nos que isso sucede em boa parte porque nas longas noites dos seus Invernos (ou ao sol da meia-noite dos seus Verões) os pais e as mães lêem histórias aos filhos. Não os entregam às televisões - cativam-nos com contos eternos e fábulas encantatórias. Nisso batem todos os recordes do mundo. Por isso estão depois entre os povos mais capazes de reagir à modernidade, porque desde muito novos estão treinados para ler, compreender e raciocinar.
Sejam pois bem-vindas as iniciativas previstas no Plano Nacional de Leitura - mas sejam ainda mais bem-vindos todos os que tirarem proveito dos livros que têm começado a estar ao alcance de um empréstimo, à distância de um braço capaz de escolher a leitura que em centenas de bibliotecas públicas lhes é ou será oferecida. Porque o Estado fez o que devia - agora cabe aos cidadãos, e sobretudo aos pais, deixarem de pedir e fazerem o que lhes compete. Só eles podem ler histórias aos filhos antes de estes adormecerem..."

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